terça-feira, março 28, 2006

DER KLEINSTE KÜNSTLER DER WELT

What’s important then?” Um discurso fracturado, muitas vozes repetindo dúvidas. Dentro desta sociedade secreta, somos todos tímidos na acepção das certezas. E agora, o que é importante? Nada, ao que parece. Tudo, no que se entende. A multiplicação das ferramentas; a confusão entre as nomenclaturas técnicas baralhou de tal forma a nossa perspectivação do mundo que “o melhor é nem falarmos disso”. O consenso emotiva-me; de certa forma, termos deixado de acreditar na singularidade do sítio faz-nos crer que estamos todos juntos. No trabalho de Mariana Santos (só há um, que está no princípio) vemos o corpo desmiolado, tudo cingido ao seu limite de confronto com o resto. Não há sossego porque não estamos sozinhos, nem vamos chegar a estar. Dentro da imensa gritaria, um aturado trabalho de desenho opinativo, caricatura do quotidiano da gente da artista que, farta, é no seu âmago empurrada pelo excesso para fora, até as pessoas serem dobras de limite, como um bolo explodindo de recheio, entre o que já não podem conter e o que não podem vir a ter. O campo do discurso encontra-se tão minado que, como estratégia, apontamos para um lado e dizemos para o outro; passando pelo horror do filme de olhos bem fechados. Depois do primeiro confronto com este excesso, das vozes, das vinhetas, dos desenhos, das invectivas das personagens espalhadas pelo espaço; compreende-se que havia muito material acumulado que cresceu intencionalmente até elevar o tom suficientemente alto, tão alto que obrigasse a autora a finalmente pendurar o trabalho nestas paredes. Esta exposição (a primeira individual) vive num espaço ambíguo entre o que se quer e o que se deseja. Notória já no título do trabalho “Ich werde der kleinste Künstler der Welt” (Vou tornar-me no mais pequeno artista do Mundo) esta ambiguidade usa um relativo de superioridade para inferiorizar o protagonista. Assim está bem, que toda a gente sabe que é mentira. Mas continua; apesar da profusão da palavra através do comentário e da diatribe, estes trabalhos vivem da forma, das tensões explanadas nos cães multicefálicos ou nas pinturas de torres em permanente risco de desagregação, unidas unicamente pela excitação de uma vontade. Encontramos esta contradição coerente em toda a produção; o facto de o trabalho se apresentar como um primeiro capítulo de uma narrativa suspensa e em desafio de continuidade é também, como a divisão da artista em personagens, seu produto. A antinomia entre os discursos das formas e das palavras carrega um pudor de assumir a condição de artista (um querer não sê-lo por medo) e também a vontade de falar, de se apresentar como tal através de um trabalho emocional (desejar sê-lo através do medo) em abertura. Os falos do Will são vontades comprimidas, desejos prontos a explodir e desmoronar o edifício. Desejar cansa, leio-o aqui por todo o lado; desejar muito descola os corpos e as cabeças, tanto que no momento do prémio, por desgaste, é habitual a ruína do corpo. Pelo contrário, querer concentra e não tem fim (quer-se sempre mais); nasce muitas vezes do medo (aqui pressinto-o, o medo do horror do filme que nos fecha os olhos, da constatação ou do pressentimento de um tempo de excesso que é desagregador do nosso mundo). É este medo, sublimado em prazer sórdido pela atracção da desmesura, que motiva e emotiva as figuras retratadas. Ultrapassando-o, Cérbero rasgar-se-ia entre as suas cóleras, as torres esboroariam-se sem clímax, restaria a personagem de “off with her head” divertindo-nos imperativa para fora do nosso centro enquanto se esconde por detrás de uma acusação libatória. Apesar de entre esta fantástica profusão de máscaras ser demasiado fácil o engano, é tempo de obviar isso e avançar com confiança. Ser refém do erro não é o mesmo que estar isolado pelo medo, todas estas personagens anseiam pela continuação da história.