“[…] a Fotografia esquiva-se.”
“[…] a Fotografia esquiva-se.”
Roland Barthes
Não é sem precaução e timidez que nos sentimos forçados a puxar Barthes e a sua “Câmara Clara” para este texto e esta análise. Descurar o pudor de abusar da palavra de outrem e assumir a dominância do seu pensamento, tanto sobre quem escreve dentro desta moldura (eu) como sobre o artista referente, João Marçal. Quando Barthes parte na tentativa de definir um corpus da Fotografia enfrenta primeiro a dificuldade de ela (cada uma delas, de facto) se apresentar como um Particular absoluto. A sequência de trabalho de Marçal, se não está dentro da Fotografia, insiste pressurosamente em sitiá-la através do assédio aos seus acessórios, marcas e signos. Tudo o que não for fotografia, mas seja da fotografia, poderá ser (embora também possa não ser) um elemento valioso na condução de uma pesquisa sobre um corpo e uma natureza desta técnica de particularização do real.
Virando as costas à fotografia ou, melhor, virando a fotografia de costas acabamos por encontrar (aqui o artista extrapola Barthes) uma nota de redundância que finalmente contradiz o pressuposto da Particularidade absoluta: descobrir onde outros não entendem nada uma quantidade determinada de informação que isola o nosso tema enquanto medium. Esta acção de aparente eliminação da imagem tem, para além da óbvia ironia, a virtude de nos pôr face a face com a evidência de um corpus que, ainda que ilusivo e impossível de determinar (como o electrão de Bohr e Schrödinger) é material e previsível. Seremos capazes de, face ao seu verso, dizer que “ali não está uma fotografia”? Atrevendo-me e arriscando o erro (ainda dentro da “Câmara Clara”), a representação desse verso, que poderia ser uma simples anedota, pode chegar a pretender ser um Particular absoluto da Fotografia ela mesma, portanto um Universal dentro dela, onde punctum e studium convergem num raro momento de nítida focagem sobre o seu objecto.
No presente trabalho, evocativo de um diaporama de apresentação de férias passadas à família ou amigos, os temas divergem ligeiramente da temática principal da pesquisa que vínhamos reconhecendo no autor, alargando o alcance da discussão à intimidade que cada um desenvolve com o medium em causa. A óbvia falsificação das imagens, a dificuldade de as classificar e reduzir a algo preciso e automaticamente reconhecível enlevam imediatamente a dúvida entre apresentação e representação. A partir de agora estamos num território de perguntas, terrivelmente avesso a respostas, onde a ironia começa a ser entendida como insídia. Muitas vezes distraídos pela televisão, não é frequente estarmos completamente conscientes do enorme peso e poder que a imagem fotográfica detém no nosso quotidiano hodierno; ela está naturalmente espalhada por todo o lado, desde o interior da nossa carteira até, num constante desdobramento, ocupando tudo e tudo, quase pretender revestir o mundo. Hoje, nas cidades, movemo-nos entre fotografias, elas caucionam-nos do alto dos billboards e enfrentam-nos o olhar envidraçadas nos muppis urbanos. Esta obra, extraída das diminutas instruções dos rolos fotográficos, tem o mérito de nos revelar este campo de domínio dos pressupostos da produção de imagem, sobre um dos espaços mais sagrados e publicitados da individualidade dentro do universo da classe média; as férias. O “Momento Kodak” é studium, um consenso sobre a felicidade e a fruição do tempo, a encenação do nosso contentamento nos momentos em que, por férias ou exaltamento, nos encontramos precisamente em punctum, dentro de nós e contentes por nós.
Sem querer parecer paranóico (e debaixo desta salvaguarda), a forma como estas instruções para fazer fotografia podem chegar a reproduzir tão fácil e fielmente a estrutura narrativa de uma comum semana de férias, revela-nos a indefinição da fronteira entre o acto de viver e o de representar a vida. Pensar as directivas iconografadas no interior destas caixas como instruções para fazer as suas férias não será um passo assim tão ousado.
No presente trabalho, evocativo de um diaporama de apresentação de férias passadas à família ou amigos, os temas divergem ligeiramente da temática principal da pesquisa que vínhamos reconhecendo no autor, alargando o alcance da discussão à intimidade que cada um desenvolve com o medium em causa. A óbvia falsificação das imagens, a dificuldade de as classificar e reduzir a algo preciso e automaticamente reconhecível enlevam imediatamente a dúvida entre apresentação e representação. A partir de agora estamos num território de perguntas, terrivelmente avesso a respostas, onde a ironia começa a ser entendida como insídia. Muitas vezes distraídos pela televisão, não é frequente estarmos completamente conscientes do enorme peso e poder que a imagem fotográfica detém no nosso quotidiano hodierno; ela está naturalmente espalhada por todo o lado, desde o interior da nossa carteira até, num constante desdobramento, ocupando tudo e tudo, quase pretender revestir o mundo. Hoje, nas cidades, movemo-nos entre fotografias, elas caucionam-nos do alto dos billboards e enfrentam-nos o olhar envidraçadas nos muppis urbanos. Esta obra, extraída das diminutas instruções dos rolos fotográficos, tem o mérito de nos revelar este campo de domínio dos pressupostos da produção de imagem, sobre um dos espaços mais sagrados e publicitados da individualidade dentro do universo da classe média; as férias. O “Momento Kodak” é studium, um consenso sobre a felicidade e a fruição do tempo, a encenação do nosso contentamento nos momentos em que, por férias ou exaltamento, nos encontramos precisamente em punctum, dentro de nós e contentes por nós.
Sem querer parecer paranóico (e debaixo desta salvaguarda), a forma como estas instruções para fazer fotografia podem chegar a reproduzir tão fácil e fielmente a estrutura narrativa de uma comum semana de férias, revela-nos a indefinição da fronteira entre o acto de viver e o de representar a vida. Pensar as directivas iconografadas no interior destas caixas como instruções para fazer as suas férias não será um passo assim tão ousado.
O trabalho referido, “Sempre Ausente” de João Marçal,
pode ser visto na galeria MCO, no Porto, até 3 de Maio.


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